Perto das remunerações anuais dos
principais nomes do mercado financeiro internacional, qualquer
salário ganha uma dimensão microscópica. Mesmo levando-se em conta
esse padrão milionário, porém, os rendimentos do matemático
americano James Simons, de 69 anos, têm deixado muita gente em Wall
Street roxa de inveja. No ano passado, Simons, dono da gestora de
recursos Renaissance Technologies, de Nova York, levou para casa a
fábula de 1,7bilhão de dólares, quase o dobro da remuneração de
George Soros, o lendário investidor que fez fama e fortuna ao
derrubar a moeda britânica no começo dos anos 90.
Em média, Simons, um senhor descrito por quem o conhece como um tipo
"com os pés no chão" a despeito da fortuna que possui, ganhou mais
de 190.000 dólares por dia - incluindo sábados, domingos e feriados,
ou 3.190 dólares a cada minuto do dia e da noite. Essa quantia leva
em conta os lucros obtidos por ele com taxas de administração e de
performance cobradas de seus clientes, além dos ganhos que teve
aplicando o próprio dinheiro nos seus fundos. A título de
comparação, a remuneração de Lloyd Blankfein, principal executivo do
banco de investimentos Goldman Sachs, um dos maiores ícones do
capitalismo mundial, foi de 54 milhões de dólares no ano passado.
Nem dá para dizer que 2006 foi um ano de sorte para Simons. Em 2005,
ele já tinha embolsado 1,5 bilhão de dólares.
Simons atua num segmento específico do mercado, os fundos de hedge,
considerados há muito a elite do sistema financeiro pelo arrojo e
pela capacidade de fazer, simultaneamente, operações em moedas,
ações, commodities e títulos. Ao longo da última década, esses
gestores se firmaram, de forma indiscutível, como elite também em
termos de remuneração. Além de Simons, outros dois controladores de
fundos de hedge ganharam mais de 1 bilhão de dólares no ano passado,
segundo aponta um levantamento publicado recentemente pela revista
americana Alpha. Juntos, os 25 profissionais que mais faturaram no
segmento de fundos de hedge acumularam 14 bilhões de dólares em
2006, número três vezes maior que o registrado em 2003 e de
magnitude comparável ao PIB do Uruguai.
Nesse mundo de titãs, Simons roubou de Soros o primeiro posto e hoje
é visto como uma espécie de semideus por seus pares. Dono da
corretora Renaissance em Nova York, ele obtém uma rentabilidade
anual do seu fundo mais conhecido, o Medallion, agora aberto apenas
para o próprio Simons e seus funcionários, de 39% há 16 anos, um
recorde absoluto em Wall Street. O Renaissance Institutional
Equities Fund, fundo criado em 2005 e ainda aberto a investidores,
rendeu 20% no ano passado. Uma das explicações para tal sucesso é o
fato de Simons ser um matemático fora do comum. Sua especialidade
são softwares baseados em algoritmos que fazem análises da
trajetória de ativos, como ações e moedas, em busca de oportunidades
-- os chamados fundos quantitativos, nos quais pelo menos parte da
operação financeira é comandada não por gestores, mas pelos
computadores. Os bem-sucedidos programas de Simons são um segredo
comparável ao da fórmula da Coca-Cola. Quem trabalha na Renaissance
fica conhecendo apenas parte deles. "Simons é um gênio da
matemática", diz Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central que
teve uma passagem de sucesso pela empresa de George Soros em Nova
York. No material usado para apresentar os fundos de Simons a novos
clientes, afirma-se que todas as informações que possam afetar,
ainda que minimamente, os preços dos ativos são consideradas pelo
software. Há, é possível, uma boa dose de exagero nessa afirmação,
mas o poder de fogo dos computadores à disposição de Simons serve de
indicador da complexidade dos programas que geram os fundos. A
capacidade de processamento de dados da Renaissance equivale à da
Sun Microsystems, uma das maiores companhias de computação do mundo
e criadora de tecnologias como o Java.
Simons é um ponto fora da curva também pelo time que formou. Entre
seus 270 funcionários, há um exército de 80 doutores de áreas tão
distintas como astronomia e lingüística. Em Nova York, sua fama é de
ser um chefe preocupado com o bem-estar de seus funcionários e em
manter um bom ambiente de trabalho. Isso e os bônus milionários
explicam a baixíssima rotatividade da Renaissance. "Simons sempre
mostrou interesse em ajudar quem está perto dele", diz David Ebin,
diretor do departamento de matemática da Universidade Stony Brook e
amigo de Simons há mais de 35 anos. "Além de tudo, tem um ótimo
senso de humor." Apesar do clima aparentemente agradável e da
remuneração, que fazem da Renaissance uma espécie de oásis no
estressado mundo das finanças, a maioria dos analistas nem perde
tempo em tentar cavar uma vaga na empresa. "O negócio dele é
contratar Ph.Ds. de fora do mercado financeiro", diz o carioca Raul
Guimarães, sócio do fundo de hedge Seagul Capital e há 15 anos em
Wall Street. "Não dá nem para almejar trabalhar com Simons."
O sucesso da Renaissance, a sexta maior empresa do segmento no
mundo, e os ganhos de Simons têm relação direta com o incrível
crescimento dos fundos de hedge nos últimos anos. Em 2000, o
patrimônio total dos fundos era de 490 bilhões de dólares, segundo
estimativa da Hedge Fund Research, uma empresa de pesquisa de
Chicago. Hoje, o número é de 1,6 trilhão, inflado pela procura de
grandes fundos de pensão interessados em atraentes promessas de
retorno. Essa crescente importância do segmento tem causado a ira de
gente influente -- caso, por exemplo, do ministro da Fazenda alemão,
Peer Steinbruck. Segundo críticos como ele, o sistema financeiro
mundial corre o perigo de entrar em colapso se o pânico se instalar
por algum motivo no mercado financeiro e os especuladores
embarricados nos fundos de hedge saírem vendendo seus ativos
desenfreadamente. Steinbruck tentou, sem sucesso, convencer outros
ministros econômicos na mais recente reunião do G8, o bloco dos
países mais poderosos do mundo, a encampar a tese de algum tipo de
controle externo. Outro flanco dos fundos de hedge explorado pelos
críticos são os lucros bilionários sem que haja necessariamente a
contrapartida em termos de retorno para o investidor. Para muita
gente, os gestores ganham dinheiro fácil. Normalmente, um fundo
cobra 2% de taxa de administração e 20% de taxa de performance, o
que garante um bom retorno mesmo em caso de insucesso das
aplicações. O fundo Bridgewater Associates, dos Estados Unidos, por
exemplo, entregou a seus clientes um rendimento anual de sofríveis
4% no ano passado, mas ainda assim Raymond Dalio, seu fundador,
levou 350 milhões de dólares para casa.
Com um histórico vencedor, Simons não pode ser acusado de frustrar a
expectativa dos aplicadores. Seu sucesso como gestor é mais um
capítulo de uma trajetória marcada pela busca da perfeição. Depois
de acabar seu doutorado em matemática na Universidade da Califórnia,
nos anos 60, Simons, filho de um empresário do setor calçadista,
trabalhou para o Departamento de Defesa na época da Guerra do Vietnã
no setor que tentava desvendar os códigos secretos usados pelo
inimigo. Nos anos seguintes, seguiu carreira acadêmica e deu aulas
nos prestigiosos MIT, Universidade Harvard e Universidade Stony
Brook. O sucesso com seus investimentos pessoais fez com que
abandonasse a academia no final dos anos 70 e apostasse no mercado
financeiro. Como outros expoentes do segmento de fundos de hedge,
Simons tem se destacado como doador de causas nobres. Há um ano,
anunciou que daria 25 milhões de dólares para a criação de um centro
de matemática e física na Universidade Stony Brook. "A vantagem dele
é que conhece como a academia funciona. Por isso, além de doar
dinheiro, ele opina sobre a forma como será investido", diz Ebin,
diretor do departamento de matemática da Stony Brook. Mesmo após
todos esses anos longe das salas de aula, Simons ainda não perdeu o
ar de professor universitário. Adora conversar sobre ciência e em
nada lembra o figurino engomado dos grandes executivos. Para os
investidores, esses detalhes são irrelevantes. O que importa são os
resultados -- e, nesse quesito, Simons, por quase duas décadas, tem
sido rigorosamente impecável.
Um matemático no topo
Na lista dos barões dos fundos de hedge, James Simons é o número 1.
Em 2006, ele foi o que teve a melhor remuneração anual, quase o
dobro da de Soros (em dólares):
1º James Simons 1,7 bilhão
2º Kenneth Griffin 1,4 bilhão
3º Edward Lampert 1,3 bilhão
4º George Soros 950 milhões
5º Steven Cohen 900 milhões
6º Bruce Kovner 715 milhões
7º Paul Tudor Jones II 690 milhões |